Ana Moura
E depois levantou-se uma rapariga que não conhecíamos, chamada Ana Moura, e começou a cantar. Todos os sintomas antigos, suados com Argentina Santos na Parreirinha, me assaltaram: o arrepio na espinha, a comoção de molhar os olhos, o espanto de ser apanhado de coração na boca. E isto, espanto maior ainda, pela televisão. E não é como se faltassem grandes fadistas – mais velhas ou tão jovens como Ana Moura. Abundam como nunca antes. Estamos numa época de ouro do Fado, como se sabe..."
"Mas Ana Moura, para além da voz e da interpretação perfeitas, tem a qualidade raríssima e primitiva que tem Argentina Santos: a verdade natural, sem esforço ou premeditação. Não é do Povo – É o Povo. Não é de Lisboa – É Lisboa. Não é Fadista – É o Fado."
Miguel Esteves Cardoso. (In o susto do fado e a beleza da verdade. A Preguiça – O Independente 16 de Fevereiro 2001)
A Ana Moura o fado entrou-lhe de rompante pela vida. Sempre tinha ambicionado cantar, mas não pensou que iria encontrar alma fadista. Mas, encontrou-a. No mais fundo de si. E isso faz com que respire fado, por todos os poros, como se sempre ali tivesse estado. Quando o desafio lhe foi lançado, primeiro por Jorge Fernando, depois por Tózé Brito, Ana Moura hesitou. Pensou talvez não estar à altura de toda a herança musical que o fado acarreta. Conta, que, um pouco por acaso começou a ouvir Amália depois de ter ficado fascinada com os novos arranjos e a entrega que lhe dedicou Dulce Pontes. Talvez seja por essa pequena distracção, que o timbre da sua voz, por tão idêntico ao da grande diva do fado, nos faça arrepiar. Pela genuinidade. Pela naturalidade. Pela verdade natural…
Em termos profissionais, Ana começou há cerca de três anos a trabalhar no Sr. Vinho, a casa de fados de Maria da Fé, onde conheceu Jorge Fernando, aquele que viria a ser o produtor do seu disco de estreia – “Guarda-me a Vida na Mão”. Antes disso, já tinha ensaiado fados, aos domingos à noite, num bar próximo de sua casa. Foram os guitarristas que a acompanhavam ali que a levaram para a casa de fados lisboeta; começou então a ser falada boca a boca e a participação num programa de televisão de António Pinto Basto – “Fados de Portugal”, levou-a às páginas de jornal. Miguel Esteves Cardoso teceu-lhe os rasgados elogios, em cima referidos, e na altura as suas palavras foram lidas “pelas pessoas certas”.
Daí ao desafio da gravação de um disco de fado foi um passo. Começou a pesquisa exaustiva entre os fados tradicionais; sempre ladeada por Jorge Fernando, ouviu muito fado, tendo feita uma espécie de curso intensivo. A única coisa que exigiu de início era que o disco tivesse um fado carriche, o seu preferido.
Já se disse, “Guarda-me a Vida na Mão” tem produção de Jorge Fernando. E no disco, Ana Moura é acompanhada na guitarra portuguesa por Mário Pacheco, à viola por Jorge Fernando e por Filipe Larsen na viola baixo. José Silva, Pedro Jóia, Vicky, Família Moura e Pedro Ayres de Magalhães são os convidados especiais.
O destaque especial vai sem dúvida para “Sou do Fado”, o tema de abertura do álbum, e primeiro single dele retirado, em que, segundo Ana Moura, explica a sua ascensão no fado.
“Sei, que a alma se ajeitou/Tomou a voz nas mãos/Rodopiou no peito/E fez-se ouvir no ar/E eu fechei meus olhos/Tristes só por querer/Cantar, cantar (…)”
Editado em vários países, o disco angariou-lhe os mais rasgados encómios da crítica especializada portuguesa e internacional; mas mais que os elogios que recebeu dos “media”, ficou claro que a sua voz se juntava por direito próprio ao restrito grupo das melhores intérpretes de fado e que o imediato interesse suscitado pelos seus espectáculos, realizados em vários países da Europa, lhe augurava um futuro radioso de sucesso.
Ainda no mesmo ano, a fadista actuou com grande êxito no prestigiado Town Hall, nos Estados Unidos.
Ao mesmo tempo que chegavam os ecos do êxito das excelentes prestações nas mais prestigiadas salas europeias, Ana Moura começa a preparação para o seu segundo álbum. Da selecção de temas feitas resultou “Aconteceu”, um duplo trabalho dividido em duas distintas temáticas: - O primeiro disco, a que se chamou «A porta do fado»», versa o fado clássico e o segundo disco, intitulado «Dentro de casa», debruça-se sobre o fado tradicional.
A produção, a exemplo do que acontecera no primeiro registo discográfico, esteve a cargo de Jorge Fernando, que fez também a maioria dos arranjos. Na área da composição, o álbum contou com as participações, entre outros, de Tiago Bettencourt, dos Toranja, João Pedro Pais, Tozé Brito e Miguel Guedes, dos Blind Zero.
Por altura da edição de «Aconteceu», Ana Moura recebe um inesperado convite para actuar no célebre Carnegie Hall, de Nova Iorque, em Fevereiro de 2005, para além de convites para outros concertos noutras cidades norte-americanas. Com a lotação esgotada, Ana Moura torna-se assim na primeira cantora portuguesa a actuar na mítica sala nova-iorquina, facto que não só a consagra em definitivo fora da Europa, como lhe abre de par em par as portas para uma sólida carreira internacional.
Resultante do seu sucesso além-fronteiras e do crescente êxito que vem gradualmente a obter nos Países Baixos, Ana Moura foi convidada para outra digressão na Holanda, que tem como principal destaque a actuação no célebre Concertgebouw de Amesterdão, em Novembro de 2005, e na nomeação do seu disco “Aconteceu” para os prestigiados prémio de World Music – os Edison Awards.
Para além das em cima citadas salas de espectáculos, e de outras aqui não mencionadas, pois seria uma lista exaustiva, destacou-se ainda a participação, a convite do produtor de cinema Paulo Branco, na sala de concertos do Hotel Majestic, no Festival Internacional de Cinema de Cannes e a participação, no âmbito do 7th Annual World Music Festival, no Double Hill de Chicago. Em 2006, Ana Moura iniciou mais uma digressão na Holanda, para em Abril se deslocar aos Estados Unidos para dois concertos, já esgotados, noutra sala mítica, o The Getty Museum, em Los Angeles, e outro em Seattle.
Em 2006, gravou o seu terceiro disco de originais, que teve edição em 2007. Um disco que contou com grandes surpresas, a nível de compositores, e que confirmou a sua curta mas sólida carreira, das suas enormes capacidades vocais e que certamente fez jus ao que Miguel Esteves Cardoso escreveu aquando do seu primeiro disco:...estamos perante a maior voz do fado desde Amália…
Letra:
Não me digas que hoje não tens tempo
não vou aceitar o teu fingimento
preciso de ouvir aquilo que tu escondes
e assim descobrir porque é que não respondes
pára de fugir, enfrenta a questão
se gostas tanto assim porque dizes não
a vida é um jogo tu vais ter que jogar
lança no meu peito essa moeda ao ar.
Lança em mim a moeda ao ar
deixa ser assim o destino a falar
lança em mim a moeda ao ar
seja como for cá estarei para voar
lança em mim a moeda ao ar.
Deixa ser assim o destino a falar
lança em mim a moeda ao ar
seja como for cá estarei para voar
não me digas que hoje já não vai dar
olha que o tempo voa sem parar
preciso de ouvir uma resposta e já
vais ter que decidir p'ra ver no que é que dá
pára de fugir olha a questão bem de frente
se gostas de mim, diz-mo na cara é urgente
a vida é um jogo tu vais ter que jogar
lança no meu peito essa moeda ao ar.
Lança em mim a moeda ao ar
lança em mim a moeda ao ar
deixa ser assim o destino a falar
lança em mim a moeda ao ar
seja como for cá estarei para voar
lança em mim a moeda ao ar.
Deixa ser assim o destino a falar
lança em mim a moeda ao ar
seja como for cá estarei para voar
lança em mim a moeda ao ar